segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O VENDEDOR DE PICOLÉ QUE AMAVA CAPITU

Quando as aflições modernas transformam-se na linguagem literária.


* Por Andréia de Oliveira


As angústias e amarguras retratadas em um quadro de crise social em todos os seus aspectos ,elementos frequentemente abordados nos textos do escritor baiano, Elenilson Nascimento, estão presentes nesse conto, O vendedor de Picolé que Amava Capitu, integrante do livro Memórias de um Herege Compulsivo. Nessa história, entretanto, como diferencial utiliza-se a crise na instituição educacional como pano de fundo para que se discuta questões que se encerram nos campos das crises existenciais do homem moderno, imenso em seus dramas de solidão, individualismo e desmotivações.

Um jovem professor de letras amarga as frustrações e decepções com a carreira, em meio ao descaso educacional do país, questionando-se profundamente quanto a sua própria relação com o mundo. Em seu cotidiano de morador da periferia da cidade convive diariamente com a realidade dos esquecidos, enquanto busca subterfúgios para amenizar o vazio e a angústia típicas de seu contato conflituoso com a realidade.

Esse personagem, assim, encarna o estereótipo dos milhares de jovens que acreditaram no mito da redenção através do ensino superior no país e encontram-se agora inoperantes face às impossibilidades de atuarem como agentes transformadores, carecendo ainda de quaisquer mecanismos compensatórios, sejam eles no patamar financeiro ou no campo do reconhecimento social. Não sem razão, apresenta uma personalidade solitária, angustiada, triste, por vezes apática que se revela na incapacidade de comunicação efetiva com a sociedade em que vive.

Surge então, a figura do vendedor de picolé que amava Capitu, finalizando a saga do excluído que encontra sua razão de ser na literatura e enfrenta inúmeras dificuldades em se fazer ouvido e compreendido. O ato de escrever muito além da revelação de uma vocação nata, traduz a sua própria sobrevivência no mundo, com qual consegue, por fim, estabelecer um dialogo efetivo, transcrevendo suas ideias e impressões.

Uma recriação da lenda da vitória dos rejeitados que ganha forma personalizada ante a abordagem lírica e metafórica, contextualizadas com os problemas atuais, em uma história que desperta reflexões quanto à decadência cultural da atualidade, enaltecedora de egos e esmagadora de talentos. Em outro desdobramento para o leitor mais atento, podem surgir ,ainda, questionamentos quanto à capacidade da literatura na condição de sonho individual de uns poucos, ser capaz de produz alguma espécie de ressonância dentro do quadro alienante da contemporaneidade.

De qualquer forma o conto é especialmente ilustrativo a respeito do caráter imediatista e cruel dos tempos atuais quando a condição da existência humana é usualmente atribuída ao projeto que representa dentro de uma escala de valores , construída pela sociedade. A literatura surge assim como um bálsamo, ou quem sabe um possível antídoto à superficialidade reinante, sinalizando possíveis caminhos e possibilidades de sobrevivência de visões diferenciadas de mundo que não se encerram na conversões do cotidiano.

FOTOS: 1 - Site Penacova
2- Livro Memórias de Um Herege Compulsivo

Um comentário:

  1. Parece ser mesmo interessante esse livro desse baiano. Já conhecia ele do blog Literatura Clandestina. Pena que aqui na Bahia só se valorize os cantores de axé.

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