quinta-feira, 30 de setembro de 2010

NOVO CD DE MAURICIO ZERK

“Há uma grande POESIA comendo meu coração. Ela mora nas entranhas e não sabe por que nasceu. Ela só sabe que existe para devorar e cuspir em lágrimas. Ela é uma grandessíssima idiota, imprestável – mas não posso dizer isso em voz alta.” (M. Zerk)
Por Elenilson Nascimento
Ainda sem o poder de fogo para concorrer com os grandes nomes da música, o baiano Maurício Zerk está chegando de mansinho, mostrando sua cara e o seu talento. Ou, como se diz no dito popular, “vem comendo pelas beradas”. Zerk já fez teatro durante dois anos e meio, se diz músico autodidata e gravou sua primeira demo em 2003 com a sua banda Via Dupla.
De lá para cá participou de vários festivais e fez parte também dos grupos Fluxo Visceral, Conexão Urbana e da banda de rock UT Supra. Sem músicas nas rádios, por enquanto, mas fazendo shows em casas noturnas ou tocando outros projetos, o músico que começou a cantar profissionalmente em 2001, abrindo shows para uma banda que, segundo ele próprio, nem lembra mais o nome, vem conquistando uma legião de fãs pelas noites de Salvador e, principalmente, pela internet.
Zerk – que também participou da antologia “Poemas de Mil Compassos” (2009) – está prestes a lançar o seu novo trabalho intitulado “Agosto” que, além das composições inéditas e autorais, contém dois poemas musicados do escritor Elenilson Nascimento.
“O que será dessa POESIA por aí, sozinha, sem mim? Ela, acostumada a alimentar-se de mim, pode morrer de fome. No fundo, ela é minha POESIA de estimação, que cultivo diante das dúvidas desta existência, da aparente falta de sentido para tudo (nascemos para morrer?), dessa vontade que nunca se concretiza de fazer algo transformador, dessa sensação de precariedade que a vida encerra”, escreveu no seu blog pessoal.
Enquanto o disco “Agosto” não fica pronto, lançamos aqui com exclusividade o novo single do Maurício Zerk, “Eu Queria Ser John Lennon”, que por sinal a canção título do single já pode ser escutada na íntegra pela internet e foi tirada do livro “Palavras Faladas Fadadas Palavras” (2002), do atual parceiro Elenilson. O single "Eu Queria Ser John Lennon" será comercializado no Japão em duas versões, além de uma edição com CD e DVD. Agora, confiram abaixo o talento do rapaz:
Maurício Zerk – Eu Queria Ser John Lennon
01. Eu Queria Ser John Lennon (Elenilson Nascimento)
02. Mais um dia (Mauricio Zerk)
03. Like A Prayer (Madonna/Patrick Leonard – versão Mauricio Zerk
& Royal Philharmonic Orchestra)
04. Gita (Raul Seixas/Paulo Coelho)
Bônus Track:
05. Imagine (John Lennon)
>>> baixe aqui <<<

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ENTREVISTA COM A ESCRITORA ANNA CARVALHO

A intensidade, a sagacidade, a sensibilidade e o discurso politizado definem com precisão a personalidade da escritora e professora baiana Anna Carvalho. Parceira do polêmico e audaz escritor baiano Elenilson Nascimento nos livros “Diálogos Inesperados Sobre Dificuldades Domadas” (2005) e Clandestinos (2010) , recentemente lançado pela Editora Clube dos Autores. Nessa conversa, Anna, fala sobre sua obra, literatura , cultura baiana, juventude, educação e política, revelando uma tenaz percepção da realidade.
*Por Andreía de Oliveira

“Há dois problemas que me angustiam como alguém que professa a educação: a banalização do ensino superior sem qualidade, as investidas do governo em legitimá-las, o que acontece é que a escola perdeu o seu lugar, antes tínhamos vestibulares que eram ritos de passagem e difíceis, hoje ensino superior virou feira livre de um país que é uma pocilga, não há investimento, não há qualificação...” (Anna Carvalho)

1 ) Prazer em falar com você. Agradeço a oportunidade de me conceder essa entrevista. Assim que li a resenha do Elenilson sobre o livro de vocês , tive uma enorme curiosidade em saber sobre o processo criativo do “Clandestinos” ,um projeto original e ousado. Como ocorreu essa gestação de dois personagens opostos e complementares como o Frederico e Fernanda Feeling, escrito por dois escritores diferentes? Seria justamente essa

diversidade que contribuiu para a unicidade temática do livro?

Sou eu quem agradeço a oportunidade de me revelar mais um pouquinho nessas nuances que a Literatura me permite por esconder a Anna Carvalho. Elenilson me convenceu a escrever um livro de ficção e eu dizia que era incompetente em ficar com uma personagem só, sempre me achei “ voyeur” e adorava escrever ensaios, crônicas , histórias menos invasivas,mas o Elenilson tem um poder de barganha enorme,me convenceu e foi uma das experiências mais incríveis da minha vida ,foi o coma que precisava para sair de mim mesma( lembro que falava muito sozinha na infância) era a voz ,era a alforria

da voz de algumas personagens e da revolta que eu tinha no meu processo subjetivo que eu alvejei em Fernanda.

Esse livro é original porque foi feito por duas cabeças bem reticentes em relação ao que a vida traz como trivial, temos uma revolta compulsiva, sumária e fizemos Clandestinos por e-mail; Ele com Frederico, eu com Fernanda( mas ,nada de ser um livro de gênero ou com discurso sexista) , nós com capítulos diferentes ,mas numa parte do livro ,nós fizemos a história juntos, lembro-me que pedia a Elenilson para não matarmos a Fernanda ,não vamos fazer com que o amor entre eles seja consumado, enfim Clandestinos foi a nossa epifania.

2) O livro clandestino fala da história de amor entre dois personagens ambientada em período rico e bastante significativo em termos culturais como os anos oitenta, expoente ainda de importantes alterações comportamentais. Foi a década em que o país assistiu ao início de um processo de democratização contrapondo-se ao autoritarismo do período anterior , ao mesmo tempo em que a epidemia de A.I.D.S parece surgir como um freio a liberdade sexual, velha bandeira da juventude na década anterior. Fale um pouco sobre as impressões sobre os anos oitenta presentes no livro.

Os anos oitenta representaram a libertinagem , a violência da criação reprimida em limbo porque a repressão sempre exilava talentos; repressão é burra; era um tempo muito bom -sou nostálgica-, e sinto falta da juventude anarquista, que via nos bancos da escola, a possibilidade efetiva de mudança ( isso é retrô) e que tinha uma certa pretensão em descer dos muros, havia utopias, mas houve a AIDS e lembro-me de figuras como: Caíque Ferreira, Thales Pan Chacon, Lauro Corona que morriam sumariamente com uma doença misteriosa, enigmática que parecia consumar a repressão metafísica do sinal dos tempos, a morte impondo o medo da vida. Ao lado de tanta liberdade, da democratização, da consciência feroz e sindicalizada e a solta, veio o freio para que as pessoas não se revelassem ou morressem jovens, subvertendo uma ordem geral dos processos.Por isso Clandestinos tem como palco o cenário cáustico de Brasília( porque é um apêndice do poder sujo, de uma democracia de retórica, de uma cena em que a política é exilada com jeitinho), da Legião Urbana ,do Capital Inicial ,ícones de uma geração “vip” em ideologia e que se permitia experimentações,ao mesmo tempo que os anos oitenta são tão emblemáticos que se você vir Malhação ID( sem identidade alguma), as músicas, o guarda roupa da época são revisitados ,mas sem a ideologia, a juventude de hoje está um pouco ou muito órfã.

3) Recentemente você escreveu um texto sobre a Fernanda Feeling postado no blogue Literatura Clandestina que fala sobre o nascimento da personagem. Quem seria a Fernanda Feeling? Uma personalidade oculta da escritora ou uma mera projeção dos desejos, sentimentos , sofrimentos e ideais de uma época?

A Fernanda é uma entidade (até pouco tempo atrás eu tinha medo dela) , aparecia no meu quarto , me vasculhava, fazia pouco de mim, do meu feminismo de arremedo, da minha condição fanática por Natália do Valle, Clarice Lispector,Leona de Tallo sempre vivia por admirar mulheres fortes como a minha mãe, Rilza Carvalho que levantou uma casa sozinha. Fernanda é a voz de uma lar desfeito ,forte, ávido e com pilastras fortes, firmes e feitas de silêncio, de vozes, de angústias, de vazios; a Fernanda fez com que eu batesse meu carro, não visse cenas do meu filho pequeno e as páginas com ela eram um coma ,uma epifania ,eu lia e sentia vergonha do meu avô, da minha mãe (ali eu entendi que o escritor é um refém e eu fui refém dessa linda mulher que montava a sua cara), aliás a primeira cena dela é o desmonte da cara no espelho, antológica ,libertária que sinaliza a força da personagem segura e da escritora insegura em suas mãos.

4) Em se tratando de personagens conte-nos um pouco sobre como ocorre o seu processo de criação. Você acredita que a literatura é fruto da internalização de conceitos e ideias que nascem do contato com meio ou uma percepção mais subjetiva do escritor em seu processo de interpretação da realidade?

A Literatura para mim é remediar sentimentos como o ódio, a revolta, a ira ,a cólera, o amor, a inocência da Fernanda em uma cena de sexo virar o anel para simular uma aliança( hoje realizo o meu sonho doméstico de ser casada com alguém muito especial) , a indulgência, o medo,a trivialidade, a vontade de não ser igual ,vejo a Literatura como algo libertário, aliás eu sou a pessoa mais cafona que eu conheço, digo isso aos meus alunos: ”não viajem nas minhas tatuagens ,são um blefe”. Para mim o processo de criação é como um transe, tanto é que estou voltando a escrever agora, diante de tanta dor, tempo e olhos para a personagem. Para tanto, remedio o subjetivo a e realidade e o seu ponto de equilíbrio.

5) Você como escritora e professora baiana tem contanto de perto com a realidade da cena cultural soteropolitana , baseada atualmente no predomínio da indústria do axé e dos seus derivados que pecam pela mediocridade e mesmice ,em sua tentativa de universalização de um estilo musical e da imposição da ideia do espírito da eterna alegria de um povo carente em todos os níveis.No passado recente já fomos representados no cenário nacional e internacional por nomes como Jorge Amado, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Glauber Rocha, Raul Seixas , Tom Zé , Marcelo Nova e o Camisa de Vênus...... . E hoje onde estaria a nossa identidade cultural ou a vida inteligente de nossa metrópole? Quais seriam suas referências culturais contemporâneas dentro da cultura baiana?

Bela pergunta. Não vivo na Bahia do Axé ( eu não me resigno a esta realidade), vivo numa cidade que hiberna, que tem uma falta de educação sumária, que confunde identidade com cordialidade (o homem cordial), a bestialidade das bandas do Axé me incomodam, é uma alienação necessária, sei que realidades opressoras precisam de alienações que oprimam, mas estamos órfãos; a cada pessoa que morre, vejo que nada a substitui, viver com o carnaval que é o blefe mais sofisticado que a boa terra faz, faz com que eu me sinta uma alienista nessa capital de verão e que no inverno se desfaz cômoda, burramente nos braços de Ivete Sangalo que, permeando uma liderança democrática populista fechou o Bonfim para batizar Marcelo. Aliás, identidade falta ao Brasil, sempre estamos à mercê do Brazil , a Nova terra, embalsamados e sem construir efetivamente nada de concreto ,temos que viver batendo continência para Danilos Gentilis, Marcelo Tás, Rafas Bastos e acharmos que eles são irreverentes e que trazem anarquismo. Lamentável.

Dentro da cultura baiana gosto de Elenilson Nascimento (ainda o vejo nas ruas da minha cidade em dueto de anarquia), Aninha Franco, Malu Fontes, João Ubaldo Ribeiro, Herberto Sales, Antônio Mateus Carvalho, sociólogo genial e muito jovem. Não vejo uma identidade muito reflexiva em nossa cidade, a não ser nos circuitos de arte (sempre alternativos ou de contracultura).

6) Um dos grandes problemas que enfrentam os jovens escritores atualmente diz respeito às dificuldades de inserção em um mercado editorial cada vez mais restrito e balizado por critérios outros que não estão necessariamente relacionados à qualidade dos textos ou a talentos literários. Não sem razão surgem outros canais de divulgação da literatura , sobretudo na internet, como blogues, rede de relacionamentos e outros. O que você pensa sobre essa realidade?

Vejo a Internet como uma saída, a única saída , o mercado editorial brasileiro é covarde, não aposta em vanguardas, é provinciano ,vejo tanta gente vivendo de uma relação memorialista com clássicos como o Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro( sim ,ele é genial),mas não há investimento em gente nova, a Internet entra com o elemento de vanguarda nesse mercado meio em formol artístico. Pena que gente como Elenilson passe despercebido para uma grande mídia ainda. A Internet é um monstro de possibilidades e armadilhas, é uma liberdade covarde diante de uma realidade virtual muito cômoda pra quem queira passar certa impunidade, mas acho uma ferramenta necessária para que novos talentos arrombem as portas decrépitas dessas tendências passadistas.

7) Creio que outro grande problema que enfrenta os bons escritores em sua tentativa de inserção no mercado diz respeito a proliferação dos livros de auto-ajuda , da literatura descartável e dos fenômenos de vendagem tipo “ bruna surfistinha” que encabeçam a lista dos mais vendidos. Comente.

O que complementa a sua pergunta anterior, literatura virou balcão de negócios, de escândalos, falar de Gabriel Chalita, Fábio de Mello é falar do que a solidão moderna quer nos fazer reféns. Uma Literatura covarde, homicida do quê revolucionário e que desconstrói o que o lema literário concede de original, vejo em livrarias, meninos reféns da saga do Crepúsculo, uma autora lucrando pela falta de memória, de desejo nacionalista e que revisita a saga de contracultura dos vampiros( do séc. XIX), lembro-me do discurso de Lya Luft em acabar com a Literatura das escolas que elege clássicos nacionais e vemos jovens virando o nariz para Vidas Secas e reverenciando o vampiro do bem (se é que bem e mal sejam remediados por vampiros), por isso o país vive alegre em seu limbo.

8) E o que você pensa sobre o sucesso de livros da escritora Stephenie Meyer, como “Crepúsculo” entre os jovens e adolescentes. Seria um fenômeno que revelaria a superficialidade dos interesses dos jovens leitores , reféns de modismos ditados pela mídia? Isso poderia gerar impactos para a formação de um público leitor adulto que não estaria habituado a leitura mais reflexivas , críticas, contextualizadas com a realidade?

Olha, jovem não gosta de ter dificuldades, gosta de livros fáceis, gosta de histórias vazias, de amor banal, de estética, da beleza clássica antiga (apesar de ser uma estética ultrarromântica), não gosta de perder tempo olhando o dicionário para entender um Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, não têm culpa, são filhos de silêncios ideológicos (apesar de eu ter alunos fantásticos que lêem desde Nelson Rodrigues a Kafka), e com isso vão ver criticamente a casa do Brasil na África em que se você toca em tambores, vê o Brasil estilizado do qual ele também faz parte solenemente, é o preço que se paga por se interessar enquanto sujeito leitor; o meu texto sobre o discurso racista de Danilo Gentili foi criticado porque não foi “lido”, esse é o nosso legado. Ser consciente também é uma atitude de irreverência e de coragem.


9) È bastante comum nas gerações passadas a crítica aos aspectos inovadores , contestadores ou irreverentes das gerações presentes ou a condenação de novos padrões comportamentos que surge no seios das novas realidades que se desenham. Foi assim com o movimento da contracultura dos anos 60, 70, inspirada em valores coletivos e em um modelo de sociedade alternativo que em muito desagradou os setores mais conversadores da sociedade. No entanto hoje os jovens parecem retornar a antigos valores sendo nítido o individualismo, a apatia, a ausência de crítica ou de quaisquer outros indícios de consciência política. Comente.

É o que acontece com Fiuk da Malhação ID, não há identidade ali, porque importaram, pela falta de gente de talento, de anarquismo, os nossos ícones, a nossa música, meninos que entendem que o CQC é de contracultura, ele é o Pânico na TV requentado, que é um arremedo crasso do TV Pirata que conseguiu derrubar farsas como a de Colllor. Eles, por não terem algo substancial, acolhem o trivial, o clichê, infelizmente quem cresceu vendo o excelente Renato Aragão e sua fase chapliniana, Chico Anísio (que cometeu a gafe de deixar de legado, Bruno Mazzeo), enfim esses são representantes de contracultura, e nós , da nossa geração ,não tínhamos acesso a Internet, e não queríamos ser alienados, discutíamos política ,assistíamos aos debates entre Lula, Afif e Collor, enfim mudança de país ,também tem que vir de um desejo subjetivo de consciências.

10) Outro aspecto que observo em um comparativo com as gerações passadas e as presentes diz respeito à vivência da sexualidade. Enquanto nos anos 70 o sexo era visto como forma de contestação, hoje está banalizado, explorado nos meios de comunicação, às vezes em horário nobre, e inserido dentro do contexto lucrativo dos mercados. Seria essa uma característica do sistema absolver qualquer forma de contestação, tornando-a uma coisa banal?

Você acaba definindo a linha de análise com as suas observações fantásticas, o sexo, que até então, era uma forma de contestação, de símbolo de liberdade sexual com a pílula, o gênero se rebelando, a condição refinada e revolucionária dos Hippies e hoje fazer sexo é não fazer escolhas, banalizou-se a incapacidade de questionamento ao sistema, e isso é um aparelhamento ideológico sofisticado, a contestação fica relegada a quem seja chato, infelizmente venceram os dramas de horário nobre, as votações nos paredões do BBB, o Pânico na TV, CQC, esses são os modelos de contestação de agora ,só que esquecem que eles são cooptados e personificam as elites.

11) Vejo uma grande contradição dentro da sociedade atual , ao mesmo tempo em que institui leis rígidas e realiza campanhas contra a pedofilia, estimula nas crianças e adolescente o desenvolvimento de uma sexualidade cada vez mais precoce. Falo nos apelos eróticos expostos em horário nobre da mídia e na idolatria por parte do público juvenil de artistas que usam e abusam de roupas e danças sensuais ou ainda de musicas apelativas com mensagens de duplo sentido e conotações pornográficas, como é o caso do pagode, do funk, entre outros. Comente.

Outro dia vi embasbacada uma conversa entre Magno Malta e um pastor, e esse homem que se diz um arcanjo contra a pedofilia tinha um discurso crasso e homofóbico, ou seja ,salva com uma mão e pune com a outra. Nunca se viu tantos casos de pedofilia no Brasil e isso vem de uma saga da mídia em especular a violência, banalizando-a. Eu vejo meninas precocemente maquiadas, deixando suas bonecas e matando a infância, a ingenuidade, graças ao poder da mídia,das novelas, dos ídolos momentâneos,do ficar, da sociedade de grupos, de shopping, do buling e de virtualidade, dá medo de entender o meu país vendo essa geração de hoje, é claro que eu tenho alunos jovens e muito bons compenetrados e que vão pagar o preço por não serem alienados, mas a maioria está entregue às unanimidades e decisões globais.

12) Ainda falando em jovens , como você na condição de professora de português e literatura observa essa tendência ao superficial e ao imediato dos dias atuais? Você encontra dificuldades para trabalhar com Machado de Assis e toda sua complexidade das abordagens psicológicas em sala de aula com seus alunos pertencentes à era da informação e seus inúmeros apelos da linguagem cibernética?

Eu, sendo professora de Literatura , trabalho e vivo do passado, de estabelecera relação identitária memorialista que tanto nos falta, de ver o país do séc.XIX e o de hoje, procurei fazer algumas “sabotagens” (não sei se boas ou más),mas consigo trabalhar Cadernos Negros com o tapa na cara que Helena recebeu de Tereza na novela de Manoel Carlos, ou seja recomendo a obra clássica vazando a Literatura com a realidade ,a atualidade , humanidades. Tem surtido efeito , os alunos precisam, pelo imediatismo, virtualidade, a rapidez, que as disciplinas sejam justificadas,enfim faço o que posso para ter diálogos importantes e justificar os clássicos, meus objetos de trabalho e investigação.Tenho dificuldade de trabalhar com um autor do séc.XIX que diz que a essência não agüenta tinta, mas transponho e peço deles, o seu elemento de reivindicação e revolta ,de contestação que também são condições inerentes aos jovens. Quanto à tecnologia também faço algumas “sabotagens”: uso vídeos, cenas de novelas, trabalhamos analogias, várias fontes e o elemento virtual nas minhas aulas, acho que o professor tem que se aproximar do universo dos alunos e faço isso com prazer e trabalho numa escola que também faz essa aposta inédita e de vanguarda,claro sem esquecer o grande objeto da Literatura , o texto escrito, a palavra, a sua locução, ideologia subjacente.

13) Desde da época de estudante observava que alguns conteúdo abordados pela escola eram de difícil acesso para a maioria dos estudantes pois não diziam respeito diretamente ao universo de interesses e necessidades em que viviam. E agora trabalhando com jovens e adolescentes vejo inúmeros obstáculos na abordagem de determinados assuntos mais abstratos cujo foco não tende ao imediatismo. O que você pensa sobre isso? A educação não estaria acompanhando a evolução da sociedade? Valeria a pena investir em um modelo de educação voltada para a formação de uma cultura universal ou os conteúdos poderiam ser flexibilizados , contextualizados diante de necessidades específicas?

Para mim essa discussão é útil e resolvida na prática, porque trabalho numa escola que entende e pratica a educação politizadamente e investindo em tecnologia ,não como um placebo, mas como uma realidade atuante e que tem resultados prodigiosos. Os conteúdos são os mesmos desde a minha época de estudante e são necessários, acho que o álibi na educação moderna, é compreender o sentido da sua agenda programática e o serviço às humanidades e fazemos isso, mérito de uma escola que investiu na desburocratização do espaço da sala de aula, claro que sem perder o cerne da educação, isso é competência.Aliás, eu não sobreviveria aos dogmas de uma educação pouco renovada.

14) Como você vê a expansão do ensino superior ocorrida no país nos últimos tempos? Aumentou-se o número de ofertas de vagas, ampliando-se a faixa da população beneficiada, contudo é grande o continente de indivíduos com curso superior completo que não são absolvidos pelo mercado. Em contraste com isso, sobram vagas em áreas ligadas a tecnologia , engenharia ou biomedicina, por exemplo. Infelizmente é nítida a ideia de que o ensino superior sequer consegue suprir as exigências do mercado de trabalho, muito menos contribui, em uma acepção mais ampla, para a formação de cidadãos críticos , conscientes e atuantes. Comente.

Há dois problemas que me angustiam como alguém que professa a educação: a banalização do ensino superior sem qualidade, as investidas do governo em legitimá-las, o que acontece é que a escola perdeu o seu lugar, antes tínhamos vestibulares que eram ritos de passagem e difíceis, hoje ensino superior virou feira livre de um país que é uma pocilga, não há investimento, não há qualificação, o governo sabotando com o ENEM fácil e que lobotomiza a educação na dicotomia entre escolas públicas e particulares. Os alunos não se sentem mais estimulados a estudar porque tudo ficou mais fácil, sem falar nos CPAs da vida. Jovens ,cada vez mais jovens , tendo que escolher suas profissões; escolhas definitivas para mentes jovens, confusas e o nível de estudo cada vez menos exigido, o exame da ordem dos advogados é uma prova que desabona a pouca qualificação do Brasil diante da educação como um todo. A educação causa medo, sempre causou, por isso tem que ser banalizada e desqualificada, com professores sendo vítimas de assédio moral, envenenamento, escola pública funcionando como força policial para remediar diversas violências e alunos violentos.

15) Em um artigo publicado na Revista Veja , Gustavo Ioschpe , levanta a questão do ensino-cidadão , questionando quanto a responsabilidade ou capacidade da escola em atuar como formadora do caráter do aluno e a conseqüente inclusão no currículo escolar de disciplinas ligadas a ética e a cidadania. Segundo ele seria fundamental a ênfase em ciências exatas ou aquelas ligadas a inovações tecnológicas, vez que lições de ética e moral deveriam ser aprendidas em casa. Você concorda com isso? A educação deveria ser voltada a um âmbito mais integral ou apenas voltada a inserção no mercado de trabalho?

Ultimamente acho que a educação está sendo vista como todo o remédio para os diversos males da sociedade, pais que não atuam , impõem à escola a atuação, o limite; ausências têm que ser correspondidas pela escola, mas acredito na Escola como uma saída revolucionária e transformadora, claro que não sozinha, sendo refém de várias cenas sociais, mas como parte imprescindível para a formação de cidadãos; a escola é um grande modelo social, ainda acredito nessa estrutura como elemento perpetuador da ética, moral e respeito. A educação já foi instituída aos diversos planos da sociedade, ela tem que cumprir alguns ritos, mesmo sem ter a obrigação para isso, acho que tudo está sendo depositado na conta da escola e não deve ser assim, os papéis sociais devem ter seus lugares.

16) Li alguns textos seus postados no Literatura Clandestina e percebi que você possui uma visão sagaz da realidade que diference em vários aspectos do senso comum. Em uma dessas crônicas você fez críticas ao Programa CGC que não foram bem aceitas pelos leitores do blogue. Percebo que existe hoje em dia uma espécie de censura velada que silenciosamente a um pensamento único, a ideia única , a um comportamento único, onde posturas contrárias a nós ou ao nosso grupo sequer merecem ser ouvidas ou analisadas a luz da razão sem qualquer partidarismo, sendo de pronto rejeitadas. Comente.

Obrigada, uma vez que vi nas suas colocações muito do meu olhar cáustico diante da realidade. Em ocasião desse texto, mandei um e-mail para Elen( Elenilson) achando uma absurdo que pessoas que lêem o Literatura Clandestina possam ter uma postura leitora tão limitada, o que menos importou foi a declaração racista, mas a crítica ao programa da TV aberta, depois vi que eu não tenho que me preocupar, porque a censura não velada- ela é explícita, covarde, dominante e sofisticada-, revela que as pessoas não sabem ler, ou entendem o que querem,e isso não é problema meu, mas da debilidade de algumas pessoas em estarem totalmente alienadas, e eu não cheguei até aqui me preocupando com leitores que não sabem ler, mas me preocupando em estar num lugar (Literatura Clandestina) que resiste pelas cabeças inoportunas para a sociedade asceta e demente.

17)Você partilha do otimismo do filósofo Pierre Lévy com relação às possibilidades da formação de uma inteligência coletiva a partir dos ciberespaços , locais das relações virtuais que surgem no seio da rede mundial de computadores? Onde estaria essa inteligência coletiva quando se observa que grande parte do conteúdo da internet é composto de materiais pornográficos, fúteis , superficiais voltado para a vida das celebridades instantâneas ou que fazem , ainda, apologia a violência , a drogas e a pedofilia? Dentro desse contexto, qual seria a sua opinião sobre redes de relacionamentos, em especial o “twitter” , a nova febre entre os internautas brasileiros, que por vezes costuma protagonizar escândalos ou troca de acusações e ofensas entre os famosos?

Volto a dizer que a inteligência na utilização da tecnologia como ferramenta venha da vontade, não podemos nos esquecer da exclusão digital, de sites comprometedores, da minimalização das verbetes, mas entendo que a virtualidade ,se bem utilizada , vai ser um mecanismo de formação intelectual para quem saiba investir .Não tenho Twitter , porque sou prolixa, não sei ser minimalista e não gosto de minimalismo,tenho medo da covardia virtual, de lidar com anônimos de todas as ordens, acredito nos blogs que são possibilidades de estreitarmos relações com gente muito boa, inteligente, afinal ,a nossa entrevista se deu de forma virtual, e foi uma bela maneira de compreender a funcionalidade da Net. Sobre os famosos, os acho oportunistas se vendem virtualmente e se queixam da super exposição, são lobistas, mas não sabem fazer lobby, paradoxal. Algo na Internet me preocupa ,o fake.

18 ) Apesar de inúmeras críticas e das denúncias do “mensalão” , o presidente Lula obtém 78% de aprovação popular em seu governo. A que fatores você atribui esses índices de popularidade? Quem seria o Lula um chefe de estado de projeção internacional , um líder popular e carismático ou um perpetuador das forças neo-liberais?

Lula vai deixar a presidência como uma grande personagem, os brasileiros gostam de personagens-fakes, pena que ele não se restrinja ao Projac, coisa que Dilma não é, ele é flutuante posa como um sindicalista pobre, sem um dedo, analfabeto e como um magnata no meio de empresários; é populista e soube representar muito bem o que o país quer: engodo, mentira, números falsos blefes. O que o PT fez com a educação? O governador petista da Bahia fechou sumariamente escolas públicas, nunca se matou tanto em Salvador, é lamentável ir ao interior e ver que as pessoas acreditam nas propagandas do Topa, do bolsa família,do água em poço para todos, na nominação daqueles anônimos. Lula, no meu entender, é um populista tão cruel e oportunista como Getúlio Vargas. Lula é tudo isso que você representou, porque é uma personagem exógena que transita, em seu oportunismo, em todos os setores da sociedade e em muito ele se distancia da nossa tomada da Bastilha que foi a sua posse no primeiro mandato. Ele acabou com a classe média, governa para os pobres e se senta à mesa com os ricos e seus asseclas. Este é o modelo do político do ano para um país pobre em consciência.

19) Por fim, fale-nos sobre suas perspectivas de lançamentos futuros. Quando será lançado o próximo livro? Algum projeto em parceria com o Elenilson Nascimento?

Parcerias com Elenilson sempre serão bem vindas, estou com os meus artigos para o Literatura Clandestina e aberta às aventuras do que o futuro possa me brindar, sei que a minha literatura é ácida, me faz sofrer, mas não posso me furtar de colocar nas páginas de um livro, as impressões da vida de uma mulher de quarenta anos que se recusa a passar pela vida impunemente. No mais, agradeço ao prazer de responder às suas perguntas, aos seus comentários e foi muito bom escrever sobre as minhas impressões suscitadas por você.