“Em que pese o direito das religiões existirem e preservarem as suas tradições é fato incontestável que as garantias constitucionais em um estado laico como o brasileiro deve abranger indiscriminadamente todos os seus cidadãos”.
*Por Andréia de Oliveira
A sociedade sempre cria mecanismos e artifícios de repreensão dos comportamentos que diferem dos ditames do senso comum ou dos conceitos estabelecidos de normalidade. Com a homossexualidade não poderia ser diferente, embora essa seja recorrente na história da humanidade e já tenha até sido aceitada como padrão social aceitável , a exemplo da Grécia Antiga.
E assim nessa saga de erros e acertos que constitui a evolução da civilização, em pleno século XXI, com todo o avanço das ciências sociais e tecnológicas, alterações comportamentais e novas configurações familiares que surgem sinalizando a própria dinâmica natural dos costumes, ainda pesam sobre a homossexualidade toda sorte de estigmas e equívocos. Embutidos dos argumentos presentes em crenças religiosas, muitos enxergam uma espécie de estado de anomalia ou aberração com relação às uniões homoafetivas.
Essa é a opinião defendida pelo pastor Silas Malafaia , que em uma audiência pública sobre o Estatuto da Família ,no ultimo dia 12 , ao fazer associações entre a homossexualidade , a zoofilia (sexo com animais) e a necrofilia (sexo com cadáveres.). O religioso da Igreja Assembléia de Deus é veementemente contrário a instituição de garantias legais e civis a uniões entre pessoas do mesmo sexo por considerar a homossexualidade uma grave perversão ou transgressão à ordem natural, mesmo diante das prerrogativas de um estado democrático de direito, como o brasileiro, que se fundamenta na igualdade de todos perante a lei.
HOMOSSEXUALIDADE NÃO É DOENÇA – Ao lado do coro fundamentalista dos religiosos sobrepõe-se o parecer das principais organizações mundiais de saúde que não consideram a homossexualidade uma doença ou distúrbio, nem tampouco recomendam que psicólogos ou psiquiatras colaborem com serviços ou tratamentos de cura ou tentativas de reversão da condição. Em 1793, a Associação Americana de Psiquiatria , retirou a homossexualidade do rol de doenças mentais , sendo em seguida excluída do Código Internacional de Doenças . (CID). No ano de 1990, a Assembléia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) também exclui da sua lista de doenças mentais , a homossexualidade, ratificando o posicionamento de que a orientação sexual de cada indivíduo deve ser defendida e respeitada.
O posicionamento preconceituoso com relação aos homossexuais, contudo ,parece ser uma constante entre outras religiões cristãs presentes no país. Na tentativa de justificar a proliferação da pedofilia dentro da Igreja Católica, o arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings fez alusão a aceitação de comportamentos indesejáveis por parte da sociedade, entre eles a homossexualidade, na tentativa de veiculá-la a um ato criminoso ou anormal.
DOGMATISMO RELIGIOSO – Os argumentos das religiões em sua condenação com relação à homossexualidade repousam em dos preceitos bíblicos que determina a união sexual meramente com fins reprodutivo, moldando em última instância o modelo ideal de família, formado por pai, mãe e sua prole. Dessa repreensão sexual em nítida associação ao pecado original de Adão e Eva observa-se o velho mecanismo de controle e manipulação ideológico praticado pelas religiões onde o prazer estaria necessariamente relacionado a algo espúrio e condenável. E assim mesmo diante de todas as mudanças comportamentais e das alterações nas constituições das famílias cada vez mais mononucleares , chefiadas por um único individuo , sobrevive a ideia da defesa dos modelos tradicionais, por parte dos segmentos religiosos.
Não sem razão a religião e seus dogmas constituem, hoje, um dos grandes entraves para a concessão de direitos civis básicos a parcela homossexual da população brasileira, assim como na Idade Média já tentou impedir o progresso das ciências ou lançou à fogueira da Santa Inquisição os “hereges infiéis”. O projeto de lei (PLC 122) que torna crime a discriminação de pessoas por gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero tramita no Congresso Nacional, desde de 2006 a espera da aprovação do Senado Federal, tendo como grandes opositores a chamada bancada evangélica.
Em que pese o direito das religiões existirem e preservarem as suas tradições, é fato incontestável que as garantias constitucionais em um estado laico como o brasileiro deve abrangerem indiscriminadamente todos os seus cidadãos. Como imaginar então que o direito de uma parcela da população brasileira estaria sendo assegurado quando o projeto de lei, datado de 1995 que previa a garantias civis para as uniões homoafetivas estáveis foi aprovado?
Lamentavelmente parece que crenças e dogmas valem bem mais do que a dignidade humana e nesse ponto os direitos humanos se perdem quando indivíduos não conseguem exercerem plenamente as prerrogativas de uma vida civil em função de sua orientação sexual. Seria essa a verdadeira crise de valores na atualidade, aquela focada no individualismo e no egoísmo que suscita o ódio e a intolerância em relação às minorias que não se encaixam nos ditames do senso comum.
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