domingo, 27 de setembro de 2009

Entrevista com o escritor e jornalista José Milbs

“Fascinado pelo PT, PT, PT, Trabalhadores no Poder, o tempo me fez ver a grande mentira e o engodo com a eleição de Lula. (...) Perguntava-me, já desfeito do fascinamento do PT e do trotskismo, se tudo aquilo não seria igual à religiosidade, aos valores aceitos pelo afeto de pessoas fraternas e que havia algo escondido. (...)Tenho dó de Lula que vai passar para a história sem ter mudado o curso...” (J.M.)
Dando início a uma série de entrevistas para a LITERATURA CLANDESTINA com os participantes do volume de poesias da "Coleção LC/2009", querendo incentivar a troca de informações e experiências entre os autores. Dessa forma, a poetisa, economista e pós-graduada em Metodologia do Ensino e Docência Superior, Andréia de Oliveira, de Salvador-BA, entrevista o poeta, jornalista, escritor, memorialista, historiador, ecologista, nascido em Macaé e editor do Jornal O Rebate, José Milbs.
Andréia de Oliveira – Em primeiro lugar gostaria de elogiar o trabalho do “O Rebate”. É importante usar a internet para disseminar informação crítica e consciente. Primeiramente gostaria que você falasse um pouco da sua atuação como jornalista. Você iniciou na profissão em 67, no período da ditadura militar, um ano antes AI-5, devia ser difícil fazer jornalismo naquela. Hoje, mesmo com a liberdade de imprensa, parece-me que ainda resta uma certa censura, oriunda do poderio econômico. Você concorda? Era mais difícil fazer jornalismo em 67 ou agora?
José Milbs – O Rebate sofria forte censura nos anos 60. Quando assumimos o jornal ele era de um forte grupo econômico da região de petróleo do RJ (Macaé). Um pouco disso está no editorial. Em Macaé tinha e tem um Forte do EB que se encarregava de fazer a censura. Um Capitão ficava na redação e lia os textos que iam para a oficina que funcionava num velho local no centro da cidade. Fui enquadrado no AI-5 e respondi IMPM no Exército e na Marinha, onde fui absolvido pelo então auditor Jacob Goldemberg, um senhor simpático, gordo e de olhar feliz. Ao confirmar os textos que deram origem as denuncias contra O Rebate ele achou que quem deveria estar ali eram os denunciadores. Achei interessante isto vir de um auditor. Chamou um outro de nome Oswaldo Rodrigues e meu processo foi arquivado. Mesmo assim, hoje tenho noção real do que aconteceu, vi minha Faculdade de Direito ser interrompida sem motivo e fui aposentado do INAMPS com um diagnóstico "incompatibilidade com as funções". Claro que hoje sei que esta era uma maneira de me afastar. Vivo com um salário de R$ 600 reais (menos 40% do que deveria ter). Não quis e não quero reparação... Tem mais um pouco dessa história no O Rebate. Um dia eu determinei aos companheiros da oficina que não mais substituíssem os textos que o capitão tinha censurado. Como o jornal era composto de letra por letra era um terror ter que fazer os meninos da gráfica substituir tudo. Falei que se os textos voltarem censurados que saiam tudo em cor negra e coloquem na 1ª página o seguinte: O REBATE CIRCULA COM ALGUNS TEXTOS BORRADOS DE PRETO NÃO POR CULPA DE IMPRESSAO DE NOSSO IMPRESSOR E SIM POR TER TIDO TEXTOS SENSURADOS PELO COMANDO DO GaCOSM (Comando do EB da Região). Mandei o jornal para as bancas. Eis algo a respeito AQUI. Quanto a outra pergunta, você mesma já disse é um fato...
Andréia de Oliveira – Trazendo um pouco o foco para a literatura, como você observa o cenário literário do país? A era das informações rápidas e superficiais potencializada pela democratização da internet e a falta de interesse histórico do brasileiro pela leitura estariam decretando o fim da literatura? Existem ainda alguns poucos sobreviventes da literatura!
José Milbs – Escrevo e faço O Rebate porque ainda creio que alguma coisa pode mu
dar. Quando fiz parte da contra cultura e do movimentos hippie dos anos 70 – CLIQUE AQUI – pensei que tudo seria mesmo resolvido no “paz e no amor”. Veio o fim do movimento, ele sendo absorvido pelo sistema que fez novelas, roupas em formato vendadas, etc. Houve uma forte tristeza de meu interior. Lágrimas? Não sei. Sei que "foram levantados os "panos das exposições em calçadas". Muitos morreram, muitos enlouqueceram ou vagam por ai. Seria eu um sobrevivente? Estaria numa "missão" com alguma ordem superior que venha em mim sem que eu saiba de onde? Lembro que num dia qualquer de uma tarde nebulosa e com ar de outuno, estava eu no Rio de Janeiro. Havia um jornal de nome MAM (do Museo de Artes Moderna). Um poeta, se não me falha de nome, Cacaso, estava entrevistando pessoas sobre o movimento. Falou com Caetano, Gil e outros "que achavam serem os karas"... Me achando, na simplicidade de um boteco qualquer, Cacaso me veio com a pergunta: "Milbs que você está fazendo agora?” Respondi: “ESCULPINDO EM SORVETE...” O poeta entendeu e tacou no jornal do MAM.Fulano está fazendo isso ou aquilo (para não citar os nomes dos que se acocoraram ao poder) e o Milbs está "esculpindo em sorvete...” Hoje divido o meu salário de R$ 600 reais do INAMPS com minha web designer para por no ar o jornal... Conto com a paciência dela e de todos os colaboradores como o próprio Elenilson que, voluntariamente, divulgam o site. Embora ter uma vivencia política eleitoral desde a juventude como líder estudantil do estado do Rio (1960-61), membro do PTB de Jango em 1958 quando concorri a vereador, ter sido fundador do PT em 78 e outras militâncias, hoje não acredito mais no parlamento como transformação da sociedade. Foi muito difícil entender isso.
Andréia de Oliveira – E sua pessoal experiência como escritor. Você acredita que é um caminho natural de todo jornalista? Em meio à tamanha desvalorização em todos os níveis da literatura no país, qual seria enfim a motivação em escrever?
José Milbs – Faço meus livros on-line. É uma maneira de sair da dependência comercial. Escrevo o que me vem na cabeça sem revisão nem copideskiar, pois tenho paciência para fazer. Saudosismo me faz bem. Como todo homem que chega aos 70 anos com cabeça de 18. E uma vez por outra me refrigerar a alma e ter algum e-mail de alguém que fala que leu isso ou aquilo que escrevi e, indo ao busca do Google, me viu lá. Deve ser ainda os restos de um tempo do "não" do movimento hippie que amei e sou ainda fiel... Muitos que, como eu, conheceram as verdades vendem seus textos. Os meus são gratuitos como os recebi gratuitamente. A internet foi onde achei melhor maneira de trazer a liberdade de expressão...
Andréia de Oliveira – Como você classificaria o tom de suas obras: saudosistas, informativas, autobiográficas ou simplesme
nte universais?
José Milbs – Sim todo jornalista qu
e tem suas experiências no dia a dia desde mundo deve caminhar para alguma coisa. Seria escritor ou palestrante, mas preferi escrever o que chamam de livros. No O Rebate tenho vários, como “Luar de Imbetiba”, “Dos ferroviários aos petroleiros”, “O cotonete azul e a nova democracia”, “Rua do Meio”, “Saga de Nhasinha”, “Ecila” e “Os Tavares, os Silvas, os Almeidas, os Pratas e os Mathias Nettos”. Você verá muito de minhas andanças pelas paredes das memórias...
Andréia de Oliveira – Importante esse seu relato sobre a Revolução de 1964. Quem nasceu dos oitenta em diante não tem uma muita noção muito clara do foi a censura. Nesse tempo era unânime um projeto ideal de sociedade: o comunismo ou governo
do proletariado. Só viemos perceber que esse sonho acabou anos depois da queda do Muro de Berlim. Ainda havia muitas esperanças, pois um governo dito de esquerda nunca havia assumido o poder. Você ainda acredita em utopias coletivas?
José Milbs – A via eleitoral jamais irá resolver o grave problema da diferenciação social. Embora, como já disse e também consta de vários textos no O Rebate, fui criado na via eleitoral, em partidos políticos e tive, paralelo, uma criação de religiosidade. Aos 18 anos: PTB; aos 19: liderança estudantil. Em casa uma avô religiosa, me levando para a igreja, sendo até coroinha com tenra idade e recebendo ensinamentos de que "comunismo" comia criança, era um monstro que matava etc. Hoje, depois de tomar ciência do que ocorria e ocorreu na União Soviética, das traições e conspirações havidas (indico a leitura de a
“Grande Conspiração”), chego a conclusão que não existe nada daquilo que o afeto, o carinho, a gentileza das mães e dos valores criados em infâncias mil, fazem parte de uma verdade... Até conhecer e ler “Minha Vida” de Leon Trotski, fui levado a acreditar no que o livro dizia sobre a União Soviética e o comunismo. Como a história e a vida é o grande senhor das verdades, fui vendo e vivenciando o que aconteceu na Polônia (Lech Valeska) e outros locais onde o trotkismo havia enraizado. Levado por amigo a participar da CS (Convergência Socialista) conheci muitos de seus membros e tive a alegria de tê-los em minha casa, abrigados, em momento de suas procuras pelo sistema repressor. Daí foi um passo para participar da fundação do PT em 78 e militar como candidato em eleições no ano de 82. Fascinado pelo PT, PT, PT, Trabalhadores no Poder, o tempo me fez ver a grande mentira e o engodo com a eleição de Lula. Encucava-me, neófito em organização de esquerda, a proibição de me aproximar de algum comunista que fosse stalinista...
Perguntava-me, já desfeito do fa
scinamento do PT e do trotskismo, se tudo aquilo não seria igual à religiosidade, aos valores aceitos pelo afeto de pessoas fraternas e que havia algo escondido. Sim havia algo escondido e este algo eu fui encontrar no conhecimento do verdadeiro socialismo que estava cristalizado nos que denunciavam o Revisionismo, o oportunismo e a traição aos verdadeiros atos que emanavam da URSS...
Andréia de Oliveira – Haveria alternativas ao individualismo cínico e cético que vivemos? O caminho político não seria mais válido? O ideal do comunismo deve ser sepultado de vez?
José Milbs – Não entendia bem e até achava legal alguns partidos comunistas estarem com apoio ao governo de Lula. Mais uma vez o tempo, senhor de tudo, foi cimentando nesta minha cabeça já embranquecida pelo tempo e pelo sereno das noites, a luz que estava se clareando. Havia, descobri um verdadeiro socialismo e um verdadeiro comunismo. Assim como no cristianismo tinha o verdadeiro, não o que era pregado, falado em minhas andanças infantis... Foi a luz. Foi a clarividência tão usada no Kadercismo... Já no movimento hippie, quando de minhas belas noites, nos anos 70, em torno das lindas fogueiras, ladeados de companheiros e vários estados e países, ouvia, ao longe uma voz que anunciava a existência do presidente Mao. Deveria haver, no grupo de hippies algum que deveria querer me passar algum informe. Devo tê-lo passado em pensamentos... Sim, havia um outro Comunismo sim. Este se cristalizou em minha busca por um mundo melhor onde não haveria tanta desgraça social, tanta diferença de classes e onde poderia até esta a tão pré-falada igualdade, fraternidade, irmanamento, comunidade... De fato alguma coisa abriu-se e hoje, embora aos 70 anos, acho que começo a caminhar na busca destas bele
zas. Creio sim Andréia, que ainda se pude pensar e lutar pelo Comunismo...
Andréia de Oliveira – Falando do cenário político atual do país. Você como fundador do PT participou e acompanhou toda a sua trajetória de Lula até a presidência em 2002. O PT que chegou ao poder foi o mesmo que você ajudou a fundar? Qual a sua avaliação em termos gerais a respeito do governo do presidente Lula? Uma continuação do liberalismo de FHC, com uma ênfase maior no social? E a respeito das eleições de 2010, alguma perspectiva de mudança?
José Milbs – Conheci Lula,
fundei o primeiro núcleo do PT do RJ, passei para meus 4 filhos e amigos que ele seria "não o Kara do USA mais o Kara que iria fazer o avesso do avesso". Lembro-me de um de seus gestos que me marcou muito como cronista e observador. Ele tomava um copo, se não me falha de cerveja. Pegou com as duas mãos a barra de sua camisa branca, e limpou os lábios. Vi ali o verdadeiro homem do POVO e pensei: será o presidente que irá impor a verdadeira transformação social. Em outro encontro, estava eu e ele numa mesa onde fomos padrinhos de um velho militante e eu falei a ele: Lula além de companheiros de PT temos algo em comum. Meus filhos de nome Luís Cláudio e o seu, e ainda por sermos nós dois oriundo do SENAI. Eu, como você, sou também torneiro mecânico... Rimos e eu ainda disse: Quando você chegar lá, crie Escolas do Senai e reative as ferrovias... Hoje vejo que Lula cumpre o papel a que lhe foi imposto pelo sistema que o levou ao poder. A Igreja que levou Lech Valeska ao poder Polônia é a mesma. Não objetiva mudar o sistema e nem de longe arranha o que o FHC deixou... Não tenho mais filiação partidária. Tenho dó de Lula que vai passar para a história sem ter mudado o curso...
Andréia de Oliveira – Você demonstra ter um prazer inenarrável em escrever e em disponibilizar seus textos gratuitamente na internet. Co
mo você definiria a arte de ESCREVER. Você utiliza a literatura como uma espécie de missão sacerdotal? Acredita na possibilidade de regeneração da sociedade por meio da literatura?
José Milbs – Creio sim na literatura como meio de consciência do POVO. Andei pela internet, fiz contatos com todo o tipo de pessoas durante uns cinco anos. Com mirc, ICQ, salas, e-mails e tudo o que você possa pensar que existe neste mundo maravilhoso eu o vivi. Fiz um livro on-line sobre esta minha caminhada virtual – CLIQUE AQUI – e bela em relato este minha vivência. Mulheres, homens, crianças, jovens, tudo que existe em carências, quer social, sexual, etc. Mentiras, verdades que vinham das tentativas de mentiras, mentiras que eram verdades. Tudo eu flui destes momentos que buscava nas centenas de noites que vivi na busca deste mundo... Creio sim na literatura como foco da luz...
Andréia de Oliveira – Fale-me um pouco de sua experiência com a poesia. Existem diferenças entre a prosa e a poesia, ou tudo é uma questão de enfoque?
José Milbs – Tenho grandes amigos poetas. Um dia, não sei qual deles, leu um texto longo que fiz onde começo com esta frase: "Infância vai, infância vem. Mudam-se as pessoas, os gestos, a fala. A Infância é eterna, como o cantar dos passarinhos, como o nascer e o por do Sol. Onde habitará a infância, senão no frescor da mente do velho escritor?” E continuo num relato AQUI, onde volto as minhas ruas empoeiradas e puras de minhas nascença. Hoje a cidade virou a capital brasileira do petróleo e eu me refugio num sítio onde planto e respondo às suas linda indagações... Poesia, poemas são coisas dos deuses...

Andréia de Oliveira – Por fim, fale-me de suas expectativas em participar desse projeto da “Coleção Literatura Clandestina”: seria mais uma forma de divulgação de seu trabalho ou um ato de resistência ao sistema?
José Milbs – A presença da LITERATURA CLANDESTINA fortalece e fortifica a luta. Quero agradecer a você pela paciência revolucionária de me fazer rever alguns temas belos de minha vida que estavam adormecidos na frieza do PC. Beijos aí no "chato do meu amigo Elenilson que é uma mistura de Bahia com BH”, e um forte abraço em você que, pela beleza do olhar transmite o que de mais sublime existe no ser: a mistura do belo com o saber...
Andréia de Oliveira – Foi um prazer conversar com você, Milbs e compartilhar a riqueza das suas memórias e recordações. O realismo da vida não te roubou a capacidade de sonhar. Despeço-me sem acenos ou adeus. Abraços.

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