Por Andréia de Oliveira
Os versos simples e direto, carregados da linguagem metafórica obtidas das visões cotidianas , presentes nos primeiros versos da Antologia Poética “Poemas Dispersos”, da Coleção Literatura Clandestina, organizada por Elenilson Nascimento, sinalizam com perfeição a proposta de ruptura com os ditames do convencionalismo erudito, assim como é elucidado na apresentação da obra. E a poesia comumente associada aos grandes nomes imortalizados nos livros didáticos de literatura ganha ares e formas da vida real nas temáticas cuja abordagem alcança as dores, conflitos e problemáticas dos dias presentes.
Impossível o leitor não se identificar com o amor vício, aquele que surge nas necessidades da vida, capaz de silenciar as angústias e proporcionar conforto, tal qual é gritado em “Palavras do Amor” de autoria de Adams Almeida Lopes . E esse tema recorrente e frequente na história da poesia, ganha contornos de um erotismo sutil e lírico que por vez pode ultrapassar os limites do corpóreo aliando-se a uma dimensão espiritual do amor a partir dos versos de Luciane Goldstein , em “La Femme”.
Dos cantos de amor às temáticas existenciais exaltadas nos questionamentos acerca das veracidades da personalidade humana em meio ao dissimulado jogo das aparências humanas. Tal constatação surge no Poema “Fingindo” de Elenilson Nascimento, onde o “homem, vinho azedo numa mesa eucarística” apodrece sua essência e seu verdadeiro espectro de vida.
E quem sabe por isso mesmo transforma-se no poeta maldito com toda “ A Consciência do Escarro”, onde Elenilson Nascimento exibe um rosto sem forma, um homem sem nome , perdido em abstrações e alucinações mórbidas. Assim emerge-se um retrato perfeito do universo do poeta Augusto dos Anjos, em meio a construções narrativas que aludem a necrofilia, vida e morte surgem como produto de reações químicas e orgânicas, sinalizando reflexões quanto a própria essência humana.
As angústias, indagações como tônica das incertezas dos tempos presentes são abordados ainda por outros poetas como Tássio Teles, em “Encontro Marcado”, onde contraditoriamente o fim sinaliza o eixo convergente das potentes manifestações de vida. Já no poema “Saga do nordestino”, de Varley Farias Rodrigues, o épico mistura-se às experiências de vida, dando o tom dos lamentos e sofrimentos.
Em meio a essas e outras sublimações da realidade corrente, a poesia sobrevive e flui livremente exaltando-se a dor como um canal de expressão do poeta em meio à interposição de figuras metafóricas. Luciano Dias Rosa seguindo a linha dos micros poemas, utiliza em “ Meu poço” a concisão e precisão das palavras para retrata a dor como um ponto de transmutação do ser.
Entre a diversidade de estilos e temas, os versos dos poetas dispersos, por vezes, assumem a forma da prosa, em excelentes abordagens líricas onde sentimentos e a emoções revelam-se a cada linha. Na prosa poética “Talvez Dois”, Pedro Gutierres apresenta a ideia do amor que ao mesmo tempo em que oprime , pode tornar-se tão essencial à vida quanto à própria respiração.
E dessa maneira, quase que como um bafo sufocante desenha-se a verve poética dos demais poemas desse livro, um apanhado de fúria e beleza que sobrevive mesmo no território das necessidades plásticas da atualidade. Quase um século após o movimento modernista balançar as estruturas da literatura brasileira, inaugurando uma nova forma de se fazer arte, eis a POESIA emerge de maneira independente e inteligente nesse livro.